Com a globalização e a consequente presença da língua inglesa no mundo, a educação bilíngue passou a ser motivo de grande interesse dos pais, uma vez que são elencadas muitas vantagens no desenvolvimento cognitivo, linguístico, sócio-cultural de crianças que aprendem uma língua estrangeira. Estudiosos afirmam que elas aprendem mais facilmente do que adultos, pois, além de desprenderem menos esforço nesse processo, são ainda mais propensas a adquirir a pronúncia nativa da língua-alvo. Assim prevalece a ideia de que quanto mais cedo a exposição à língua estrangeira, ou língua adicional, acontecer, melhor. Além disso, há a ideia de que o domínio pleno da língua inglesa é naturalmente uma porta de entrada para o mundo no futuro. Ou seja, quem domina o idioma tem enormes chances de mobilidade e de ofertas, desde estudar em universidades no exterior como também trabalhar e viver nesses países. Ou seja, a língua inglesa é um passaporte sem restrições para o mundo.
Afinal, como é isso?
Em primeiro lugar, é sabido que qualquer habilidade que for desenvolvida desde a infância tende a apresentar resultados mais eficazes e plenos: a aprendizagem de um instrumento ou uma arte, o engajamento em uma atividade esportiva e corporal, o acesso à leitura e letramentos. Tudo isso proporciona à criança um rico desenvolvimento cognitivo, linguístico e também psíquico. Assim, imaginamos que quanto mais cedo uma criança for exposta a esse elenco de práticas e experiências melhor as executará e terá, em conseqüência, melhores condições para agir no mundo. Isso é, obviamente, uma verdade parcial. Porém, vamos crer que sim. Mas lembramos também que há aspectos subjetivos e singulares, que têm a ver principalmente com a maneira como a criança reage a esses desafios. Ela se lança ou recua? Sente-se motivada ou ameaçada? As crianças reagem diferentemente a essas experiências.
Tomando essa proposição acima como verdadeira, no que tange à língua estrangeira é natural que ela seja aplicável, ou seja, quanto mais cedo a criança tiver contato com o idioma maior possibilidade terá de tornar-se fluente, porém, desde que continue a visitá-lo ao longo de sua vida. Tudo depende da quantidade e especialmente intensidade da relação com esse idioma.
Há, no entanto, alguns aspectos a serem levados em conta nesse processo, que não o tornam algo dado, garantido, à priori. E quais são eles? Ora, uma língua estrangeira, ao contrário da língua materna, é uma língua a ser aprendida. É composta de sons, musicalidade, palavras, usos e registros e para aprendê-la exige condições apropriadas de prática e uso, ou seja, um ambiente propício para interações, em que situações, muitas vezes, são forjadas para essa prática e uso. Mais e mais, situações naturais também fazem parte da sala de aula de língua estrangeira. Conta-se também com a adaptação de recursos às faixas etárias, pois cada uma delas demanda uma abordagem diferenciada, quando se trata de ambientes institucionais não naturais. Depende, ainda, da predisposição das crianças a essa experiência, que difere de uma criança para outra.
Alguns fatores podem interferir negativamente no processo de aprendizagem da língua estrangeira, como, por exemplo, alta expectativa dos pais, a não compreensão de que essa aquisição ocorre de um modo singular, isto é, cada criança reage diferentemente a essa experiência, e no seu próprio tempo: algumas são mais motivadas, identificadas com o idioma ou com o evento específico e outras menos. Há também um aspecto muito importante para o qual a psicanalista francesa, Christine Revuz, nos chama a atenção que é o deslocamento identitário que fazemos quando aprendemos uma língua estrangeira. Segundo Revuz, ao aprender a língua do outro, as pessoas precisam atravessar fronteiras e confrontar-se com o novo, o diferente, pôr-se no lugar do outro e agir, de algum modo, como o outro. A psicanalista nos chama a atenção para o fato de que nem todos estão preparados para viver essa experiência. No caso das crianças, para que se disponham a esse atravessamento, pois algumas se recusam, é preciso torná-lo atraente, insistir, apostar, dar continuidade. A criança tem a seu favor o jogo, o faz-de-conta. Se ela entra no jogo, a travessia começa a ser feita. Para a criança a língua em si não interessa, interessa enquanto performance apenas, enquanto representação.
Um outro fator fundamental é a necessidade de um ambiente facilitador fora do contexto instrucional, uma vez que embora muito acessível, a língua inglesa não tem para nós um uso social. Ou seja, se vamos à padaria, não compramos bread e sim pão. Assim, é preciso que os adultos se envolvam no processo tanto no sentido de investir subjetivamente quanto em proporcionar algumas situações em que essa língua esteja presente: um livro, um filme, uma música ou mesmo uma tarefa. Mas o mais importante é a aposta nesse processo. Se os adultos em questão não têm familiaridade com a língua ou interesse nela, é importante que transmitam a confiança na aposta feita, pois se ela não existe, muitas vezes as crianças tomam sua desconfiança para si. Se, ao contrário, acreditam e criam espaços facilitadores para essa experiência, tanto melhor, nem que seja criar condições para que as crianças frequentem as aulas ou realizem as tarefas. É assim nas aulas presenciais e Online. Já, do ponto de vista das escolas centros de idiomas, é crucial a atenção à qualidade da exposição à língua-alvo e às condições que são oferecidas, além do ambiente e dos aspectos relacionais e afetivos.
Finalmente, é preciso chamar a atenção para a expectativa dos adultos quanto à fluência no idioma. É necessário entender como a fluência se dá. Ser fluente em um idioma significa poder participar daquilo que Ludwig Wittgenstein chama de jogos de linguagem. O filósofo alemão usa a metáfora do jogo de xadrez para explicar como fazemos quando usamos a linguagem nas nossas interações. Como nesse jogo de tabuleiro, precisamos conhecer as peças, as suas funções e dominar as regras. Para quem joga xadrez, um cavalo é uma peça e não um animal em si. Só quem é capaz de fazer essa diferenciação é quem tem conhecimento do jogo. Assim, a experiência da linguagem está diretamente relacionada à experiência de vida. Uma criança poderá adquirir alguma intimidade com o idioma, mas a fluência só virá com o tempo, dependendo de quantos jogos de linguagem ela participa, das práticas sociais e culturais nas quais se insere e de como mergulha nelas. Sem nos esquecermos de que a experiência na língua materna é fundamental para o desenvolvimento na língua estrangeira.
Quanto às portas que podem se abrir para quem domina a língua inglesa, não sabemos à priori exatamente que mundo enfrentaremos e nem tampouco sabemos do desejo do outro. Nesse sentido, vale a pena pensar que o mais importante é compreender que, como diz Wittgeinstein, “os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”. Isto é, quão maior for a experiência linguística, de quantos mais jogos de linguagem crianças e jovens participarem, na sua língua materna e na língua estrangeira, maior será o seu universo.
É disso que se trata.








