Professores brasileiros que ensinam inglês para alunos brasileiros têm a seu favor o fato de que eles têm maior compreensão dos processos de aquisição de uma Língua Estrangeira (LE), uma vez que os vivenciaram. Na minha prática, trabalhando com vários professores ao longo de décadas, chama atenção a dedicação de muitos desses profissionais que demonstram grande conhecimento de práticas e visões de ensino, metodologias, abordagens, além de um especial cuidado no entendimento dos processos dos alunos, nas suas diversas faixas etárias.
Neste momento em que o ensino Online está sendo a única alternativa possível, impressiona o modo como os professores assimilaram esse desafio e criaram alternativas de ensino em aulas ao vivo ou em aulas gravadas. O que se vê é muito empenho, criatividade e conhecimento sendo construído, além de especial cuidado com as crianças, os jovens, os adultos do outro lado da tela. Testemunhamos um enorme salto qualitativo no uso da tecnologia como ferramenta de ensino-aprendizagem. Esse esforço, sem dúvida nenhuma, constitui uma grande alavancada na prática dos professores, que, por sua vez, tiveram que sair de uma certa zona de conforto, que era, até então, a rotina de sala de aula, estabelecida há décadas. Subitamente, eles se confrontaram com um novo ameaçador que lhes impôs uma demanda urgente e inusitada, à qual tinham que responder, muitas vezes, com poucos recursos à mão. Isso é algo muito mais rico e significativo do que as pessoas podem imaginar. Só quem tem vivido essa experiência pode compreender o que ela significa.
Sim, professores são construtores de pontes. São pessoas que se fazem na empatia, solidariedade, necessidade de compartilhar e de transformar, transformando-se. Loris Malaguzzi, pedagogo italiano, fundador do projeto pedagógico da escola de Reggio Emilia na Itália, lembra que a tarefa dos educadores é ajudar as crianças a escalarem suas próprias montanhas o mais alto possível. Porém, eles só podem participar desse processo se tiverem essa aspiração, ou melhor, se desejarem, eles próprios, escalar montanhas. Isso quer dizer que, para se engajar em uma educação transformadora, criativa, situada e comprometida com o mover-se do mundo, é preciso caminhar nessa direção. O educador é, portanto, um eterno aprendiz, um itinerante, um explorador de mundos e de conhecimentos que esse mundo produz. É alguém que se entusiasma e se espanta; que não se encolhe, ao contrário, se expande.
Professores de uma língua estrangeira, que aprenderam essa língua como estrangeiros, são pessoas que desejaram atravessar fronteiras, rumo ao desconhecido. Instigados a participar de novas formas de comunicar-se com o mundo e a conhecer a história e a cultura do outro, tomaram para si o desafio de conquistar um novo território, adentrá-lo como imigrantes, como alguém que jamais pertencerá a ele, mas que ousará frequentá-lo com o seu saber. Não resta dúvida que há aí um ato de coragem, uma vez que muitos podem confundi-lo com um intruso, estranho e ousado. Esses professores terão sempre um pé no mar e outro na terra, isto é, uma posição intermediária, claudicante. Há, no entanto, quem não reconheça a legitimidade da aposta desses sujeitos sempre estrangeiros na língua do outro. Na prática, o que vemos são pessoas em constante desafio, eternos aprendizes da matéria do seu ofício. Essa condição estrangeira os leva a desenvolver tal zelo pelo o que fazem que, muitas vezes, sobressaem-se nesse campo de maneira surpreendente. O seu maior desafio é conquistar os alunos para aprenderem a língua estrangeira, sem tradução, porém, criando muitos recursos de mediação. Eles precisam significar em outra língua, e isso não é pouca coisa.
Todavia, os professores precisam interagir com outros atores em outros contextos. Para um professor de língua materna, essa é uma experiência diária, permanente. Os professores de língua estrangeira, ao contrário, normalmente restringem sua prática na língua alvo, na maioria das vezes, à sala de aula. Porém, espera-se deles que atinjam alto nível de conhecimento e proficiência no idioma. Assim, a busca por ampliar o conhecimento e prática da língua se torna uma realidade inescapável.
Para compreendermos melhor a importância do acesso permanente a outras práticas discursivas, como parte do processo constante de formação e aprimoramento, recorro ao filósofo da linguagem, Ludwig Wittgenstein, que afirmou: “Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”. Ou seja, se minha experiência é restrita, também o será a minha capacidade construir conhecimentos, de me comunicar e interagir com o outro e com o mundo. Segundo Wittgenstein ([1953] 1999) de quantas mais práticas comunicativas e interacionais eu participar, mais recursos de linguagem vou precisar. E Marcondes (2010:16) acrescenta: “A linguagem consiste em um conjunto de ‘jogos’ que aprendemos e de que nos apropriamos. Ao longo de nossa vida jogamos jogos diferentes, dependendo de nossos papéis sociais e linguísticos. Deixamos de jogar alguns e passamos a jogar outros. Quanto mais jogos jogarmos, de quantos mais jogos nos apropriarmos, mais rica e diversificada será nossa experiência.”
De acordo com essa visão, aprender a usar a linguagem é saber jogar os ‘jogos de linguagem’, que são, por sua vez, o conjunto da linguagem e das atividades com as quais está interligada. Para Wittgenstein ([1953] 1999, §23), “o falar da linguagem é uma parte de uma atividade, de uma forma de vida”, isto é, aprende-se junto com a linguagem uma forma de vida, determinada, contextualizada, situada, dentro de uma práxis comunicativa interpessoal. O filósofo diz ainda que há inúmeros empregos diferentes de signo, palavras e frases que não são fixos. Dessa forma, novos tipos de linguagem nascem e com eles novos jogos de linguagem. A aprendizagem de uma língua é, portanto, um processo em curso, inacabado.
Assim, os professores de línguas precisam posicionar-se frente a essa riqueza de possibilidades que em que se dá a linguagem. Por essa razão, a prática do inglês em contextos autênticos de usos, com variados interlocutores, é a oportunidade que os professores desse idioma têm de jogar outros jogos de linguagem e de participar de outras formas de vida, para que os limites de seu mundo sejam desafiados.
REFERÊNCIA
MARCONDES, Danilo (2010). Dossiê: Letras, linguística e suas interfaces, Cadernos de Letras da UFF, no 40, p. 13-16.
WITTGENSTEIN, Ludwigg ([1953] 1999). “Investigações Filosóficas”. Nova Cultural, SP.








